terça-feira, 27 de abril de 2010

Uma tradução do Pensamento de Leminski

Meu grande amigo Eduardo Bueno me fez a questão de mandar um email dizendo que eu tinha perdido uma grande peça do Festival de Curitiba! Obrigado Bambú! Rs...
Pros que estão em Curitiba, não percam... é uma alusão ao pensamento de Leminski que vale pra mim, vale pra você e vale pra todos.

Aí vai uma sinopse da peça:

Quanto temos a chance de encontrar pessoas, geralmente queremos contar histórias. O teatro é, por excelência, o lugar pra isso: encontro e troca. Tentamos então não fugir dessa máxima e criamos a história de quatro pessoas exiladas numa cidade qualquer. Elas se encontram todos os dias, numa sala vazia e sem janelas para os ensaios de uma banda que deverá se apresentar no jubileu da cidade.

Entre fatos objetivos, assuntos jogados fora e a situação comum que une essas pessoas, revela-se aos poucos a potência de vida de cada um. Vontades não realizadas ou ainda por realizar, olhares em direção a futuros incertos, fragilidades e superstições cotidianas, afetos. Dilemas comuns, mas com dimensão poética: ir e ficar, ter os pés no chão e o rosto erguido para o céu estrelado; silêncio e tirania da palavra; frustração e entusiasmo.

Num lugar fechado, difícil de entrar e difícil de sair, observamos a conviência radical de diferenças e os fluxos de vida que seguem seu curso numa relação imediata com a ideia de cidade e de transformação. Em que medidad a cidade nos molda. Quando e como nos entregamos à potência ancestral de metamorfose que existe em nós. Que dimensão pode ter a vida quando percebemos as coisas para além das imposições sociais. Tudo se move, ainda que estejamos parados [...].

Leminski disse:

LER ANTES DE ESCREVER

O céu tem uma mensagem para nós. Mas essa mensagem não vem do céu. Vem do nosso condão de dar significados às coisas, nomes aos bois, formas de constelação e aglomerados de estrela.
Vem do nosso desejo de viver num mundo totalmente humano, cultural, sígnico. A ênfase deve ser colocada no gesto primordial do homem levantando o rosto para o céu estrelado, na noite primordial em que se fundaram os significados e uma vida propriamente humanda começou.
Os antigos (Ovídio, no início das 'Metamorfoses') já tinham observado que, dos animais, somos os únicos capazes de erguer o rosto para o alto, as demais bestas trazendo o olhar para o chão, como que a indicar que parte escolheram.
Aqueles olhos que, primeiro, se levantaram na noite primordial, para o firmamento estrelado não eram olhos quaisquer: eram olhos de caçadores, os maravilhosos caçadores do Paleolítico, habilíssimos leitores de pegadas, rastros e outras marcas que a caça deixava na lama, na areias ou na neve.
Agora, esses olhos estão lendo os sinais mais extraordinários que nos é dado ler nesta terra e nesta vida: os turbilhões de luz dos espaços exteriores, pulsações de uma luz sem igual sem paralelo aqui no chão.
Logo estão vendo os primeiros brilhos do signo e do significado contra o fundo indiferente e insignificante do firmamento estrelado.
Ninguém, nunca mais, vai conseguir baixar seu rosto.

(trecho do ensaio 'Tema Astral')

(...)
No perguntar, está o específico humano. E essa especificidade está codificada materialmente, musicalmente, no aparato da língua.
(...)
A interrogação é o próprio fundamento do diálogo, o reconhecimento da diferença entre o eu, que eu sou, e o eu que o outro é, separados pela prática da linguagem, hiato e ponte.
(...)
O perguntar é o fundamento do diálogo, a precariedade introduzida em nível da fala. O viandante que, na estrada, pergunta ao passante, 'onde fica o caminho para a montanha?', reconhece sua ignorância, sua pobreza, sua precariedade, vale dizer, sua condição humana, feita de carência, lacunas e incompletudes.

É a pergunta, o perguntar, que socializa, isto é, humaniza o homem,
E é misterioso que esse gesto fundante se produza sob o signo da música.
(trechos do ensaio 'Quando cantam os pensamentos - a pergunta como canto')".

Como ver a peça?
http://festivaldecuritiba.blogspot.com/2010/03/uma-traducao-do-pensamento-de-leminski.html

Mais sobre Leminski:
http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/nindex.htm

2 comentários:

  1. ahhh! ainda bem que segui o conselho do estimado Bambu e fui conferir a peça! simplesmente demais! sensibilidade incomparável sob influência etérea de Leminski!

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